A ideia de que os recursos do meio ambiente não são infinitos perpassa toda essa prática culinária e hábitos alimentares propiciando o uso sustentável dos bens naturais como a água e a terra.
Na concepção Guarani, a compreensão sobre saúde-doença está ligada ao meio em que vivem, e tanto as relações sociais quanto a interação com o meio ambiente, podem garantir o equilíbrio do grupo em todos os aspectos, inclusive na saúde do corpo.
São saberes que ultrapassaram séculos e nos ensinam que os seres vivos presentes em todo o ecossistema são determinantes para nossa existência e para nossa sustentabilidade enquanto seres humanos.
Para o grupo específico guarani Mbyá, da aldeia Piraí, Araquari, Santa Catarina, plantar, cultivar e colher o alimento com o equilíbrio que a natureza exige, é fundamental para manter os valores dos seus antepassados e, ao mesmo tempo, garantir o sustento do presente e do futuro ecossistema.
Alimentos sem agrotóxico

Neste sentido, esse grupo citado desenvolve junto aos alunos da escola local, Werá Puku e professores, um projeto de culinária Mbyá Guarani baseado nos produtos da terra tradicionais sem o uso de agrotóxico, o que já os diferencia da sociedade envolvente. É, na verdade, a retomada de um comportamento ancestral que por um período, estava se perdendo e ficando esquecido pelos membros mais jovens.
O projeto visa ensinar para as crianças sobre a plantação, o cultivo, a colheita e o preparo saudável da refeição tendo como base o milho, a mandioca, o cará, o feijão sem acrescentar sal ou açúcar. O biju também faz parte da culinária aonde apenas é utilizado a água no seu preparo.
Segundo uma das lideranças da aldeia, esses ensinamentos têm como objetivo mostrar aos jovens a importância de não agredir o meio ambiente e ao mesmo tempo permitir uma relação próxima entre saúde do corpo e natureza.
Fortalecimento da cultura

A escola tem 110 alunos, todos Guarani Mbyá que aprendem para ensinar e assim fortalecer a sua cultura. Podemos entender que há uma peculiaridade nesta iniciativa da aldeia Piraí, uma vez que envolve toda a sociedade Guarani dentro da mesma dinâmica, nas diferentes regiões do país.
A ideia de que os recursos do meio ambiente não são infinitos perpassa toda essa prática culinária e hábitos alimentares propiciando o uso sustentável dos bens naturais como a água e a terra.
Aproveito essa linha de raciocínio para reproduzir o depoimento de uma mulher Guarani Mbyá de uma das aldeias de Santa Catarina e com isso finalizar meu texto.
“E agora podemos falar então do NHandereko (nosso jeito de ser e viver) e o porquê de nossa afirmação: território é vida, porque entendemos que não há divisão, não somos separados da natureza, fazemos parte dela. Estar em meio à natureza é nosso natural. O território é sagrado porque na terra estão nossos ancestrais, animais, vegetais, minerais. Somos parte de um todo que é o NHanderu (nosso Pai), o grande espírito. E se estamos mergulhados neste todo que é tudo, então conseguimos ver o sagrado de todas as coisas, inclusive na terra, que muitos falam que é suja e isso é uma grande inverdade. A terra não é suja, a grande maioria dos humanos é que sujam e maltratam a terra. Poluem e não cuidam dela, mas a terra não é suja, não podemos comer a terra, mas nos alimentamos de tudo que dela vem.” (Guarani Djatchuka Mirim,2022)
Referência:
Coutinho Miranda, Maria Rosa de. O Meio Ambiente Que Educa, editora Letra D’Arte, 2023.
Projeto: Comida Guarani Mbyá, aldeia Piraí, Santa Catarina, 2024
Maria Rosa de Miranda Coutinho
Mestre em Ciências Sociais/ UFSCar
instagran@maridemirandacoutinho.com
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