Decreto nº 12.438 divide opiniões entre indústria, catadores e ambientalistas. Avanço para a economia circular ou risco ambiental?
A economia circular voltou ao centro do debate com a publicação do Decreto nº 12.438 pelo governo federal, que regulamenta a importação de resíduos sólidos no Brasil.
Entendo que essa medida, que autoriza a entrada de 20 categorias de materiais recicláveis — incluindo metais estratégicos e plásticos especiais — representa um dilema fundamental: avanço para a economia circular ou risco ambiental?
Cara: o potencial para fomentar a indústria da reciclagem

O decreto traz aspectos positivos que merecem consideração. Seu objetivo é garantir matérias-primas estratégicas para a indústria nacional, reduzindo a dependência da mineração virgem e seus impactos ambientais.
Essa regulamentação representa uma oportunidade de inserir o Brasil na economia circular global, desde que seja implementada com critérios claros, a fim de evitar distorções.
As exigências previstas — como certificações ambientais obrigatórias e a proibição da entrada de resíduos não listados — podem, de fato, atrair investimentos em tecnologias de reciclagem avançadas.
Contudo, como veremos a seguir, os riscos não podem ser subestimados.
Coroa: riscos que exigem atenção

Como profissional que atua diretamente com cooperativas de reciclagem, compreendo profundamente as preocupações do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR).
Eles alertam, com razão, para o risco de o Brasil se tornar um destino global de resíduos, colocando em risco o sustento de cerca de 800 mil trabalhadores que dependem da coleta seletiva.
É evidente a fragilidade de nossa infraestrutura de reciclagem. Com cerca de 3 mil lixões ainda ativos, questiono se estamos, de fato, preparados para receber mais resíduos sem comprometer o meio ambiente e os trabalhadores do setor.
O caminho do equilíbrio: uma proposta

Com base em dados concretos e experiência prática, acredito que precisamos buscar um ponto de equilíbrio. Proponho três eixos fundamentais:
– Mecanismos de proteção para a cadeia nacional de reciclagem
– Investimentos robustos em infraestrutura de fiscalização
– Programas de inclusão produtiva para catadores
O sucesso dessa política dependerá da nossa capacidade de conciliar o desenvolvimento industrial com a proteção ambiental e social.
O anúncio do Ministério do Meio Ambiente sobre a criação de um grupo de trabalho para avaliar os impactos do decreto é, a meu ver, um passo importante.
A regulamentação coloca o Brasil diante de um dilema estratégico. O desafio é utilizar o comércio internacional de forma inteligente — não como substituição à reciclagem doméstica, mas como complemento para materiais críticos, nos quais temos déficit comprovado.
Concluo destacando que o monitoramento e a transparência nos próximos meses serão cruciais para garantir que essa medida traga avanços reais para a economia circular sem comprometer nosso meio ambiente e os trabalhadores envolvidos na reciclagem.
Por: Marcelo Souza, químico e engenheiro de produção e mecânica. Possui MBA Internacional em Administração pela FGV, MBA pelo Instituto Universitário de Lisboa, pós-MBA em Tendências e Inovação e Formação de Conselheiro de Administração pela Inova Business School. É mestre em Administração pelo Instituto Universitário de Lisboa, com especializações em Transformação Digital pelo MIT e em Economia Circular pela Universidade de Berkeley Extension.
CEO da Indústria Fox – Economia Circular e suas subsidiárias, é também presidente do Conselho de Administração da Ilumi Materiais Elétricos, conselheiro e diretor de Meio Ambiente do CIESP – Regional Jundiaí, e membro do Departamento de Desenvolvimento Sustentável da Fiesp.
Professor da PUC-Campinas, é membro da Coalizão Empresarial por um Tratado dos Plásticos e presidente do INEC – Instituto Nacional de Economia Circular. Autor de três livros, acaba de lançar a antologia Reciclagem de A a Z, reunindo conhecimentos de especialistas em economia circular e reciclagem.
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